A Receita Federal revoga a norma de 2019 e institui a Declaração de Criptoativos (DeCripto), fechando o cerco sobre exchanges estrangeiras e detalhando operações de DeFi, staking e mineração.
O mercado de criptoativos no Brasil acaba de vivenciar seu mais significativo divisor de águas regulatório desde 2019. A Receita Federal do Brasil (RFB) publicou, em 14 de novembro, a Instrução Normativa Nº 2.291/2025, um movimento que não apenas aposenta a pioneira (e agora obsoleta) IN 1.888/2019, mas que fundamentalmente reescreve as regras de compliance fiscal para o setor.
A nova norma, que institui a DeCripto (Declaração de Criptoativos), é a resposta direta do Brasil à necessidade de adesão ao CARF (Crypto-Asset Reporting Framework) — o padrão global de reporte de informações desenvolvido pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e pelo G20.
Se a IN 1.888 foi o "Capítulo 1", que colocou o Brasil no mapa da fiscalização de cripto, a IN 2.291 é o "Capítulo 2", que integra o país ao sistema financeiro global de combate à evasão fiscal. O impacto será profundo, especialmente para investidores que utilizavam corretoras estrangeiras e para aqueles imersos em finanças descentralizadas (DeFi).
O Fechamento da Principal Lacuna: Exchanges Estrangeiras na Mira
O ponto nevrálgico da IN 1.888 era sua limitação territorial. Ela obrigava efetivamente apenas as exchanges com CNPJ no Brasil a reportar as operações de seus clientes. Isso criou uma enorme lacuna fiscal, onde investidores brasileiros podiam operar livremente em plataformas estrangeiras sem que estas tivessem qualquer obrigação de informar o fisco brasileiro.
A IN 2.291/2025 encerra essa assimetria.
A nova regra é explícita: qualquer Prestador de Serviços de Ativos Virtuais (VASP), mesmo domiciliado no exterior, que preste serviços a usuários localizados no Brasil, está obrigado a fornecer informações à RFB.
Isso significa que as gigantes globais deverão, a partir de 1º de janeiro de 2026, implementar rotinas de compliance, KYC (Conheça seu Cliente) e reporte específicas para o Brasil, sob pena de sanções. Para o investidor, a sensação de "anonimato" ao operar lá fora acabou.
O Novo Escopo: O Fisco Quer Detalhes sobre DeFi, Staking e Airdrops
A IN 1.888 era focada nas operações básicas: compra, venda, permuta e transferência. A IN 2.291/2025, por sua vez, demonstra uma maturidade regulatória ao exigir um nível de granularidade muito maior.
A nova DeCripto exigirá o reporte de um leque vasto de transações que antes viviam em uma "zona cinzenta" contábil:
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Rendimentos: Recebimentos de Staking e Mineração.
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Recebimentos Não Onerosos: Airdrops.
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Finanças Descentralizadas (DeFi): Swaps (permutas), provisão de liquidez e empréstimos (tanto a concessão quanto a tomada).
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Pagamentos: Utilização de cripto para aquisição de bens ou serviços (com destaque para operações acima de US$ 50 mil).
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Outros: Perdas involuntárias (como hacks) e transferências para carteiras não-custodiais (cold wallets).
A norma inova ao permitir que, em operações complexas em contratos inteligentes (como swaps atômicos), o usuário possa informar o hash único da transação, reconhecendo a complexidade da tecnologia on-chain.
Análise Comparativa: IN 1.888/2019 vs. IN 2.291/2025
Para entender a dimensão da mudança, nada é mais claro do que uma comparação direta entre a regra antiga e a nova:
| Característica | ✅ IN 1.888/2019 (Regra Antiga) | 🚀 IN 2.291/2025 (Nova Regra) |
| Norma Vigente | Revogada (válida apenas até 30/06/2026) | Vigente (reportes iniciam em 2026) |
| Sistema de Reporte | Sistema Coleta Nacional (e-CAC) | DeCripto (Declaração de Criptoativos) |
| Padrão Internacional | Nenhum. Era uma norma doméstica. | CARF (OCDE). Foco na troca de informações globais. |
| Exchanges Estrangeiras | Não obrigadas a reportar. | Obrigadas a reportar operações de clientes brasileiros. |
| Operações Reportáveis | Foco em: Compra, Venda, Permuta, Doação, Transferência. | Foco expandido: Inclui Staking, Mineração, Airdrops, Empréstimos (DeFi), Swaps e Perdas. |
| Limite para Usuário | R$ 30.000,00/mês (P2P ou exterior). | Ajustado para **R$ 35.000,00/mês** (P2P ou exterior). |
| Estrutura de Reporte | Apenas mensal (por operação). |
Dupla: 1. Mensal: Detalhada por operação (via DeCripto, a partir de 01/07/2026). 2. Anual: Consolidada (saldos e custos) pelas exchanges (Padrão CARF, a partir de 01/01/2026). |
| Sanções (Multas) | Já eram pesadas (1,5% a 3% do valor da operação por omissão). |
Mantidas e reforçadas. Atraso: R$ 100 (PF) a R$ 1.500 (PJ) por mês. Omissão/Erro: 1,5% (PF) a 3% (PJ) do valor da operação. |
O Impacto Econômico e Contábil
Do ponto de vista de compliance, a IN 2.291 representa um aumento substancial no custo de observância, tanto para empresas quanto para investidores.
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Para o Investidor (PF/PJ): A era das planilhas de Excel simples para controle de operações acabou. Será necessário um controle contábil rigoroso para rastrear o custo de aquisição em operações de staking, airdrops e swaps, que agora são eventos de reporte obrigatório. A contratação de softwares especializados em contabilidade cripto deixa de ser um luxo e passa a ser uma necessidade.
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Para as Exchanges (VASPs): O custo de compliance será imenso. As plataformas estrangeiras terão que investir pesado em sistemas que identifiquem usuários brasileiros e que sejam capazes de gerar os reportes mensais (DeCripto) e anuais (CARF) exigidos pela RFB. As exchanges nacionais, embora já acostumadas a reportar, terão que adaptar seus sistemas para o novo layout e para o escopo muito maior de operações.
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Para o Mercado: A médio prazo, a regra traz robustez, maturidade e segurança jurídica. Ela alinha o Brasil aos mercados regulados, o que pode atrair investidores institucionais. Contudo, a curto prazo, pode haver uma contração de liquidez ou a saída de players menores (nacionais ou estrangeiros) que não consigam arcar com os novos custos de compliance.
Em suma, a IN 2.291/2025 é o movimento mais duro e sofisticado da Receita Federal até hoje. Ela encerra a "infância" regulatória dos criptoativos no Brasil e sinaliza que, para o Fisco, cripto é uma classe de ativo consolidada e que deve ser tratada com o mesmo rigor fiscal de qualquer outro investimento global.
